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No XXV Fórum Internacional Supply Chain, promovido pelo Instituto de Logística (ILOS), em setembro em São Paulo, entre diversos temas importantes, um dos principais foi a respeito do impacto da tecnologia na logística e no supply-chain. Além de desempenhar eficientemente seus papeis de agregação de valores às empresas e a seus produtos, a logística e o supply-chain, agora utilizando-se de uma tecnologia mais adaptada (Supply Chain e Logística Digitais, e tudo o mais que acompanha esse processo de evolução), também tem contribuído para a geração de significativas mudanças no âmbito das empresas e nos seus modelos de negócios. Com isto proporcionam, concretamente, não só a integração, mas também a sincronização de toda a cadeia de suprimentos, seja ela interna ou externa. Consequentemente, fornecedores, clientes e parceiros definem suas estratégias de forma compartilhada.

“O SC Digital tem amadurecido rapidamente e está gerando um valor substancial às empresas líderes. É uma jornada que envolve tanto mudanças internas quanto a capacidade de integrar parceiros, clientes e fornecedores de forma colaborativa, sempre com o objetivo de estar cada vez mais sincronizado com a demanda final”, é a frase impressa pelo ILOS no folheto que anuncia o track temático “Jornada de Transformação Digital do Supply Chain”.

Chamado à falar sobre a “Evolução da Transformação Digital do Supply Chain”, o professor e Phd Dale Rogers, da Arizona State University, além de conceituar e explicar detalhadamente a “Digital SCM”, como sendo a utilização de “sistemas avançados, ferramentas, fluxos de trabalho e análises para planejar, gerenciar e controlar transações, fluxos de dados e informações em processos estruturados e autônomos que apoiam o fluxo de recursos físicos, informativos e financeiros entre organizações, fornecedores, compradores, mercados e consumidores”, realçou alguns dos pontos mais importantes nesse processo evolutivo e de transformações:  “Machine Learning” (manutenção do aprendizado através das experiências advindas da própria utilização das máquinas), “Artificial Intelligence” (baseadas nas informações captadas e disponíveis, as próprias máquinas começam a tomar decisões autônomas) e “Cognitive Computing” (sistemas que aprendem a raciocinar por conta própria com propósito de interagir com os seres humanos. Uma mistura de ciência da computação e ciência cognitiva que procura compreender o funcionamento do cérebro humano).

Em seguida, o professor Dale fez observações extremamente sérias a respeito das transformações que esse avanço tecnológico – que ocorre já há algum tempo, mas agora muito mais rápido – tem gerado nas sociedades e nas economias de todo o mundo, que não se limitam, como muitos ainda podem imaginar, à melhoria ou à eficácia das atividades voltadas à administração da cadeia de suprimentos.

Ao comentar suas experiências, adquiridas em dezenas de anos de estudo e trabalhos de consultoria, junto a empresas de quase todo o mundo, Dale constatou objetiva e pessoalmente, o que vem acontecendo nos países nos quais esse processo evolutivo já se faz bastante presente: diminuição do número de empregos menos qualificados em proporção significativamente maior do que o aumento do número de empregos de maior qualificação, cujas exigências com relação ao conhecimento, à capacitação e à postura inovativa são bem maiores do que atualmente. Em resumo, o processo de avanço tecnológico, inexoravel e desejável, mas diferentemente de outras épocas, contribuiu para a efetiva diminuição do número de empregos. Experiência vivida em Michigan, nos Estados Unidos.

Continuando sua exposição, o professor Dale observou que em seus deslocamentes, nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, a lembrança desse período de crise e desemprego rapidamente veio à sua mente, na medida em que pode constatar que número de favelas e de bairros com moradias sem o mínimo de conforto exigido, continuava aumentando de forma assustadora no Brasil. Consequência, segundo ele, e guardadas as devidas proporções, do mesmo fenômeno vivido por ele na América do Norte.

É compreensível que a busca de melhorias contínuas no desenvolvimento de processos automáticos e autônomos – muitos já existentes nos paíseis mais desenvolvidos -, de coleta, inserção (BigDatas) e, principalmente, de análise de dados em quantidades cada vez maiores, proporcionadas pela computação cognitiva e a inteligência artificial, exigirão aperfeiçoamento, aprendizado e capacitação constantes. É compreensível, também, que além de profissionais cada vez mais capacitados, o trabalho mecânico e rotineiro, inicialmente, obviamente praticados por mão-de-obra menos qualificada, deverá ser substituído, em tempo muito menor do que se imagina, pela “máquina”.

Interessante que, mesmo sendo convidado a falar sobre logística e supply-chain, Dale, ao mencionar esse tipo de “desemprego estrutural”, também se atreveu, corretamente a meu ver, a comentar sobre os impactos políticos, econômicos e sociais que essa evolução tecnológica poderá gerar. E negativamente, caso esse fenômeno não seja compreendido de forma abrangente e corretamente. Dale, inclusive, citou o economista francês Thomas Piketty, que há 5 anos atrás escreveu o livro “O Capital no Século XXI”.

No livro Piketty demonstra com clareza e números reais (ele consolidou números e informações coletadas em vinte países dos últimos duzentos anos), que “o crescimento econômico e a difusão do conhecimento ao longo do século XX impediram que se concretizasse o cenário apocalíptico preconizado por Karl Marx, mas, ao contrário do que o otimismo dominante após a Segunda Guerra Mundial costuma sugerir, a estrutura básica do capital e da desigualdade permaneceu relativamente inalterada”, traduzindo-se “numa concentração cada vez maior da riqueza, um círculo vicioso da desigualdade que, a um nível extremo, pode levar a um descontentamento geral e até ameaçar os valores democráticos”. E, entre outras, fez duas observações que nos levam a refletir: 1ª. “a evolução dinâmica de uma economia de mercado e de propriedade privada, deixada à sua própria sorte, contém forças de convergência importantes, ligadas sobretudo à difusão do conhecimento e das qualificações, mas também forças de divergências vigorosas e potencialmente ameaçadoras para nossas sociedades democráticas e para os valores de justiça social sobre os quais elas se fundam”, e 2ª. “se deve sempre desconfiar de qualquer argumento proveniente do determinismo econômico quando o assunto é a distribuição da riqueza e da renda. A história da distribuição da riqueza jamais deixou de ser profundamente política, o que impede sua restrição aos mecanismos puramente econômicos” (grifos meus).

O crescimento da extrema direita e o descontentamento com a globalização e o sistema democrático, em todo o mundo, são exemplos que apenas ilustram algumas das consequências desse problema (1). Aliás, os jornais atuais nos “brindam” diariamente com novos exemplos.

No mesmo evento, também tivemos a aprresentação do economista e meu colega como conselheiro da ABOL (Associação Brasileira de Operadores Logísticos), Cláudio Frischtak. Ao discorrer sobre o “Cenário Econômico, Infraestrutura e Transporte de Cargas no Brasil”, Cláudio demonstrou claramente como a fragilidade da infraestrutura de transportes (2) e a recuperação lenta da economia tem afetado o transporte de cargas no Brasil (3).

As propostas de Frischtak, para sairmos da crise são conhecidas. Realizar as reformas necessárias, incluindo a ‘do Estado’, remover barreiras para aumentar a abertura da economia, comprometer-se com a igualdade de oportunidades para todos (educação de qualidade da pré-escola ao ensino médio), criar ambiente de negócios, introduzir um horizonte de planejamento, aprovar as legislações setoriais relevantes, desenhar medidas que acelerem o repasse de concessões e tornar os investimentos em infraestrutura em “política de Estado” (grifos meus).

O que se nota é que o Brasil não consegue diminuir significativamente o nível de desemprego por dois fatores principais e que agem ao mesmo tempo: um oriundo da grande evolução tecnológica, que gera grandes transformações nos diversos setores produtivos de nossa economia (“desemprego estrutural”), talvez muito pouco discutido aqui no País, e outro que advém do baixo crescimento econômico, fruto da crise que se arrasta há mais de 4 anos, da falta de investimentos e, como salientei em meu último artigo aqui mesmo no neste site (4), de uma queda substancial do consumo das famílias, principal motor da formação do PIB, quando se analisa o fluxo da demanda. O Consumo das Famílias representa mais de 60% do PIB nacional!

É importante também salientar o que diz a maioria dos analistas econômicos, ao ressaltarem que o principal motivo para que os investidores posterguem seus investimentos no Brasil é o PIB tremendamente fraco e ainda com perspectivas de baixíssimos índices de crescimento. Crescer 0,9% ou 1,1% é melhor do que nada, mas não resolve nosso problema. Não há dúvidas que os discursos e os posicionamentos de Jair Bolsonaro, no mínimo dúbios e ‘controversos’, que as regras que regulam as atividades econômicas e o próprio ordenamento jurídico brasileiro gerem “incertezas” a todo e qualquer investidor. E também não são as taxas de juros (em queda vertiginosa nos últimos três anos) ou a falta de incentivos ou subsídios governamentais (neste ano cerca de R$ 350 bilhões serão transferidos para as empresas na forma de juros subsidiados, desonerações de folha, isenção de impostos etc) que desestimulam empresários a investir mais. Os principais motivos pelos quais há muito menos investimentos do que se necessita é a falta de crescimento econômico (5) e uma agenda clara e transparente de prioridades. Os números disponíveis são claros ao mostrar que, mesmo com governos “não confiáveis” às exigências dos empresários e investidores mais conservadores e defensores ferrenhos do liberalismo, e mesmo que ainda não estivesse instalado de forma definitiva a operação Lava-Jato, como instrumento importante de combate à corrupção (um malefício e tanto, para qualquer sociedade), os fluxos de investimentos, nacionais e estrangeiros, eram substancialmente importantes e suficientes para manter a economia em crescimento. O mercado consumidor, sem dúvida, era a grande força motriz. Consumidores trabalhavam, recebiam renda (6), consumiam e os empresários e investidores, obtiam resultados satisfatórios dos investimentos feitos.

As reformas, sem dúvida, são necessárias, mas os investidores sabem que os impactos positivos somente ocorrerão no longo prazo. Volto a insistir: é fundamental recuperar consumo e investimentos. E além da construção civil, um dos caminhos está na retomada dos investimentos em infraestrutura, pois como diz Luiz Felipe D’Ávila, “Há muito dinheiro no mundo em busca de bons negócios” (7).

Em entrevista concedida ao jornal Valor (junho de 2019), “Políticas para combater a Desigualdade”, a Diretora-Geral do FMI, Christine Lagarde afirmou: “o crescimento inclusivo é um dos maiores desafios do nosso tempo”, pois “o lado amargo da nova realidade é que, apesar do crescimento econômico, um número excessivo de pessoas está ficando para trás”. Analisados as economias mais avançadas, constatou-se uma clara tendência, desde 1990 e até agora, de aumento da desigualdade. “Mas se olharmos para as economias emergentes e em desenvolvimento, o quadro é mais complexo” (8).

No evento “Reuniões de Primavera de 2019 do FMI, Gita Gopinath, do FMI, Pinelopi Koujianou Goldberg, do Banco Mundial, e Laurence Boone, da OCDE, economistas-chefes de suas respectivas instituições, ainda sobre o assunto desigualdade concluiram que “é chegada a hora de intensificar a cooperação global para enfrentar a desigualdade” (grifos meus).

No livro de Paul Collier, “O futuro do capitalismo” (9), a conclusão é enfática: “o capitalismo, longe de ser um obstáculo, é essencial para a prosperidade de massa. O capitalismo gera e disciplina as empresas, organizações que permitem que as pessoas aproveitem o potencial de produtividade da escala e da especialização”. Mas, continua ele, “o capitalismo precisa ser gerido de forma que traga não só produtividade, mas também um propósito. E é essa a pauta: o capitalismo precisa ser administrado, não derrotado”. “As sociedades capitalistas, além de serem prósperas, precisam ser éticas”.

Queiramos ou não, a discussão sobre política e economia – e já era tempo – também chegou na Logística e no Supply-Chain.

Autor: Paulo Roberto Guedes; é consultor e professor de logística, além de conselheiro da ABOL – Associação Brasileira de Operadores Logísticos

*As opiniões de Paulo Roberto Guedes não refletem necessariamente as opiniões da Guep ou de seus executivos

  • “A crise global do conservadorismo. Em vários países, a centro-direita vem dando lugar a uma direita radical, pessimista e revolucionária”, escreveu a revista The Economist, (O Estado de S.Paulo, 11/07/19). E continuou: “Os liberais afirmam que a ordem social surge espontaneamente com os indivíduos agindo livremente, mas os conservadores entendem que a ordem social vem em primeiro lugar, ela cria as condições para a liberdade. Busca a autoridade da família, a Igreja, a tradição e as associações locais para controlar a mudança e torná-la mais lenta. Mas essa demolição vem ocorrendo com o próprio conservadorismo e isso vem partindo da direita. A nova direita não é uma evolução do conservadorismo, mas um repúdio dele”.
  • O estoque de Capital de Transportes no Brasil, em 1983, alcançou o valor equivalente a 21,4% do PIB. Em 2018 não chegou aos 11%. Isto se deveu, basicamente, pela falta de investimentos que, atualmente, não consegue chegar ao valor depreciado dessa infraestrutura. Os investimentos no período entre 2001/2017, equivaliam a 0,70% do PIB brasileiro. Em 2018 foram de somente 0,63% e para 2019 espera-se alcançar no máximo 0,62%. Quedas vertiginosas. O investimento do setor público para a infraestrutura geral (transporte, saneamento, energia e telecomunicações), que já representou 55,5% do total em 2010, agora em 2019 não deverá chegar aos 35%. Dados da Carta de Infraestrutura de 09/09/19 da InterB.
  • Considerando que cresça 2,5% neste ano, o setor de transporte de cargas de 2019 ainda ficará 2,6% abaixo do volume transportado em 2013. O PIB, nesse mesmo período, decresceu 4,4%, caso em 2019 o crescimento seja de 0,9%.
  • “Saída da crise econômica exige criatividade e receita diferente” foi o artigo publicado aqui mesmo neste site no último dia 09.
  • Na Bolsa de Valores de São Paulo, o saldo de investimentos estrangeiros, positivo desde 2012, foi negativo em R$ 10,2 bilhões em 2018 e tem previsão de ser negativo em R$ 22,2 bilhões em 2019. Os investimentos estrangeiros diretos (IED), que em 2011 alcançaram US$ 102,4 bilhões, agora para 2019 deverão alcançar no máximo US$ 45 bilhões.
  • Dados do IFI (Instituto Fiscal Independente) do Senado Federal, mostram que em 1997 os salários representavam 87,3% de toda a massa de rendimentos. Em 2018, apenas 74,5%. Atualmente, 25,5% de toda a massa de rendimentos vem de transferências governamentais, na forma de aposentadoria e todos os demais benefícios assistenciais institucionalizados.
  • Artigo “A urgência do crescimento”, publicado no Estadão dia 25/09/19, Luiz F. D’Ávila é fundador do Centro de Liderança Pública e autor do livro “10 Mandamentos – Do País que somos para o Brasil que queremos”.
  • Mesmo considerando a redução da desigualdade mundial, “houve um forte aumento da desigualdade dentro dos países. Por exemplo, cerca da metade da riqueza mundial está nas mãos da parcela 1% mais rica da população”, é uma das conclusões de estudo específico realizado pelo FMI.
  • “O futuro do capitalismo – enfrentando as novas inquietações”, escrito pelo professor de Economia e Políticas Públicas da Universidade de Oxford, Paul Collier, Editora L&PM, 2019.
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